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Prisão domiciliar de Jair Bolsonaro: arbitrariedade ou aplicação da lei?

Por Rafael Zago

 

O ordenamento jurídico nacional admite alguns tipos de sanções restritivas de direito, e antes de adentrarmos especificamente no que se refere às medidas cautelares, precisamos elencá-las para melhor entendermos os seus efeitos e objetivos. As penas privativas de direitos não são práticas exclusivas do nosso ordenamento jurídico nacional, mas ao adotá-las em nosso Código de Processo Penal, nos tornamos responsáveis por administrá-las dentro das particularidades dos aspectos sociais, jurídicos e políticos típicos brasileiros, respeitados os limites dos tratados internacionais de preservação dos direitos humanos, garantindo que a restrição de um direito não ultrapasse os limites e prejudique outros direitos do cidadão sancionado. Aliás, é importante ressaltar que o ato de privar um cidadão de seu direito, ainda que justificado, é monopólio do Estado, que deverá exercê-lo dentro das premissas do Estado Democrático de Direito, submetendo ao crivo jurisdicional, não sendo admitido seu exercício por qualquer ente privado, que pode vir a sofrer sanções legais se acaso, mesmo que justificadamente, agir arbitrariamente pelas próprias razões.

 

Inicialmente é preciso esclarecer que as medidas cautelares, ou qualquer outra restritiva de direito, tem por objetivo garantir o exercício do direito de punir do Estado, conhecido como jus puniendi. É aplicação concreta de sanções penais àqueles que praticam qualquer ilícito e são submetidos ao poder jurisdicional. Algumas das medidas cautelares adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro estão dispostas no art. 319 do Código de Processo Penal, sem mencionar aquelas oriundas da legislação extravagante. Tratando-se de sanções restritivas de liberdade, por exemplo, é sabido que o ordenamento jurídico nacional adota seis (06) modalidades de prisão: a prisão comum, a prisão civil, a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão militar e a prisão em flagrante delito.

 

Para que possamos entender cada tipo de prisão adotada pelo Estado brasileiro, observa-se inicialmente que a prisão comum, conforme tratada no próprio bojo constitucional, é sanção condicionada ao trânsito em julgado de sentença condenatória para fins de execução de sentença e cumprimento da pena. Logo, não há o que se falar em prisão para fins de execução de sentença antes do exaurimento de recursos judiciais. Isso não significa, porém, que não existam modalidades de prisões antes deste momento processual, mas falaremos disso adiante. Além da prisão comum, esta no âmbito criminal, há ainda a prisão civil, que, conforme o próprio texto constitucional retrata, relaciona-se ao inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia [não pagamento de pensão] e a do depositário infiel, ou seja, atos da vida civil que não necessariamente resultado da prática de delitos, mas que também implicam na restrição de liberdade do transgressor. Outra modalidade de prisão, esta mais específica, é a prisão militar, regulamentada pelo Código Penal Militar, em suma, relacionada às transgressões disciplinares militares. Uma diferença do tratamento jurídico penal que o Estado tem para com o servidor militar no âmbito da administração pública. Estas três modalidades de prisão são consideradas executórias, ou seja, se dão após sentença condenatória transitada em julgado.

 

Diferentemente da prisão em flagrante delito, prisão preventiva ou temporária, que são consideradas prisões cautelares ou mesmo, por alguns doutrinadores, a prisão em flagrante delito é considerada ainda pré-cautelar’, já que pode, após a audiência de custódia, ser convertida em prisão preventiva ou temporária. Essas modalidades de prisão tratam de acautelar o processo criminal, custodiando as provas e testemunhas, garantindo a administração da justiça. A prisão em flagrante delito, por exemplo, ocorre no ato ou logo após a prática do delito. É a intervenção do poder de polícia estatal para cessar a prática delituosa e garantir que as autoridades, policial e judiciária, tomem ciência da notitia criminis, tanto da autoria quanto da materialidade do crime, em seu estado flagrancial. Esta prisão pode, num futuro, por exemplo, ser convertida em prisão preventiva. A prisão cautelar temporária ou preventiva, por sua vez, tem a finalidade de salvaguardar os atos processuais, evitando a destruição ou ocultação de provas, bem como uma possível coação de testemunhas ou da própria vítima no curso do processo, além de assegurar sua execução da sentença de forma plena. A prisão temporária, como o próprio nome aduz, possui prazo de validade, prorrogável, com seu período definido de acordo com o delito e sua gravidade, fundada nos requisitos dispostos nas ADIs 3360 e 4109 (STF), para fins de coleta de provas, perícias ou exames, no local dos fatos, em objetos ou pessoas, oitivas de vítimas ou testemunhas, sem que sofram qualquer interferência do autor dos fatos, para que, logo que cumprido seu papel, seja revogada e o réu possa responder em liberdade, onde será, em caso de condenação posterior, definitivamente preso para cumprimento da sentença. Já a prisão preventiva tem como objetivo garantir a ordem pública, ordem econômica, instrução criminal e a execução da sentença, bem como quando há incertezas ou insuficiência de informações quanto a identidade ou paradeiro do réu, evitando sua fuga iminente ou o cometimento de novos delitos.

 

Outras modalidades de restrição de direitos em caráter ad cautelam previstas no ordenamento jurídico brasileiro, diversas da prisão, são as medidas cautelares elencadas no artigo 319 do Código de Processo Penal ( CPP), quais sejam, comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou de frequentar determinados lugares; proibição de manter contato com determinadas pessoas; proibição de ausentar-se da Comarca, necessária para a investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga; suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica; internação provisória; fiança e a monitoração eletrônica (tornozeleira), ou mesmo as medidas cautelares provenientes de legislação extravagante, como a suspensão do direito de dirigir e o recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação ( CTB) ou as medidas protetivas de urgência relacionadas à Lei “Maria da Penha” (Lei nº 11.343/2006). Conforme os §§ 1º e 2º artigo 282 do CPC, as medidas cautelares podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, decretadas de ofício pelo juiz ou mediante representação da Autoridade Policial, requerimento do Ministério Público, assistente ou querelante. Vale ressaltar que, com relação às prisões cautelares, diferente das medidas cautelares supra mencionadas, a Autoridade Judicial não possui autonomia para decretar de ofício, exceto quando do descumprimento de medidas cautelares anteriormente impostas, conforme § 4º do art. 282 do CPP. Importante lembrar ainda que para qualquer sanção penal, em especial para restritivas de liberdade, é obrigatório ao requerente justificar com a devida fundamentação legal.

 

Agora que já organizamos os fundamentos básicos para o exercício da aplicação de medidas cautelares pelo Estado brasileiro, como podemos concordar ou não com as decisões do então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, em desfavor do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, junto ao processo em que figura como réu? Será que o Min. Alexandre de Moraes está tomando medidas arbitrárias ou eficazes, ditatoriais ou justas?

 

O fato é que o ex-presidente Jair Bolsonaro possuía – e possui – oportunidade e condições evidentes para evitar o cumprimento de sentença e frustração da persecução e aplicação penal, já que é manifestamente pública a insatisfação do atual Presidente da República dos Estados Unidos da América, Donald Trump, com relação ao processo judicial de Bolsonaro na Suprema Corte brasileira, o que poderia culminar em asilo diplomático para o ex-presidente se furtar do cumprimento da pena caso fugisse para os Estados Unidos ou para a embaixada norte-americana no Brasil. Por este motivo, Alexandre de Moraes, assim como qualquer juiz presidindo um caso semelhante, poderia optar pela medida restritiva de direito determinando a proibição de acesso ou frequentar determinados locais, prevista no art. 319 do CPP, bem como ausentar-se do país, ensejando o recolhimento do passaporte, prevista no art. 320 do CPP.

 

Já com relação à proibição do uso de redes sociais, imposta ao ex-presidente junto ao AP2668/PF, adotada pelo ministro, relator da Petição (Pet) 14129, tal medida foi pedida pela Polícia Federal (PF), com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), bem como a jurisprudência consolidou entendimento de que o rol de medidas cautelares do artigo 319 possui natureza exemplificativa, logo, o poder de cautela autoriza o magistrado a determinar medidas não expressamente previstas, desde que observados os requisitos de necessidade e adequação. Assim sendo, tendo em vista o ex-presidente ter utilizado de suas redes sociais e de redes sociais de apoiadores para praticar os atos pelos quais é investigado, nada mais adequado e necessário que, durante o curso do processo, a fim de evitar o cometimento de novos crimes desta natureza e utilizando o mesmo modus operandi pelo ex-presidente, privá-lo do uso das redes sociais.

 

A partir daí, após o descumprimento da referida medida cautelar imposta, o magistrado optou por convertê-la em recolhimento domiciliar do ex-presidente, com fundamento legal no disposto no § 4º do artigo 282 do CPP, aplicando o princípio da progressividade, não culminando automaticamente na prisão preventiva, considerada ultima ratio nestes casos. Além disso, como já ficou esclarecido, as medidas cautelares podem ser impostas concomitantemente, como é o caso do monitoramento eletrônico também adotado pelo STF no sentido de monitorar possível aproximação do ex-presidente a lugares determinadamente proibidos de frequentar. Também é importante ressaltar que a medida cautelar de recolhimento domiciliar, por mais que popularmente conhecida como “prisão domiciliar”, se trata de medida cautelar diversa de prisão.

 

Não há, portanto, em qualquer decisão do Ministro Alexandre de Moraes, demonstração de indícios de subjetividade ou parcialidade, tendo em vista que todas as suas decisões são juridicamente subsidiadas, com adoções de medidas cautelares representadas e fundamentadas, tanto pela Autoridade Policial, com parecer favorável da PGR, coerentes com a situação do acusado, vislumbrando a eficácia da aplicação penal e o sucesso na execução da pena.

 

Se o ex-presidente será condenado ou não, essa discussão fica para um segundo momento. O importante aqui é esclarecer a aplicação jurídica das medidas cautelares adotadas pelo STF, e em especial, pelo Min. Alexandre de Moraes, no curso do processo, a fim de que se reconheça não haver qualquer arbitrariedade ou ilegalidade nos atos cautelares impostos pelo poder judiciário que possam sugerir qualquer tipo de parcialidade ou ativismo judicial por parte do relator.

 

Sabemos, por óbvio, que nem sempre há resultado positivo do sistema judiciário nacional, mas, mesmo que em outros casos o êxito não venha a ser atingido, se ao menos uma vez conseguirmos respeitar os princípios basilares do direito e a imparcialidade dos atos do poder judiciário, ao invés de politizarmos a aplicação da lei ou decisões judiciais, garantimos ao judiciário brasileiro, mesmo que mínimo, o reconhecimento de segurança jurídica junto ao povo, que assiste seu ordenamento jurídico ser aplicado de forma plena e isonômica, independentemente do perfil político, econômico e social do transgressor das leis brasileiras às quais devemos submissão e respeito. Ninguém está acima da lei, ou isento de submeter-se às restrições de direitos cautelares. Nem mesmo um ex-presidente da República.

 

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