Birigui, a cidade que se autodenomina a pérola do calçado infantil, carrega dentro de si um paradoxo profundo. Enquanto é conhecida por sua produção de calçados, há muito tempo patina em questões políticas que prejudicam seu crescimento e a qualidade de vida de seus cidadãos. O que deveria ser um modelo de desenvolvimento sustentável tornou-se um triste retrato de exploração, desinformação e falta de comprometimento com o bem-estar da população.
A famosa frase entre os empresários locais, “é mais fácil cuidar de mil cabeças de boi do que de dez pessoas”, ressoa como um eco sombrio nos corredores das prefeituras e dos escritórios de empreendedores. Essa mentalidade reflete não apenas uma desumanização do trabalhador, mas também uma cultura que prioriza o lucro em detrimento do desenvolvimento humano. Enquanto a cidade se enriquece com a produção de calçados, sua infraestrutura clama por socorro, e a empregabilidade parece um jogo de cartas marcadas – favorecendo sempre os mesmos, enquanto a população local é relegada à marginalidade.
Contratos de trabalho que exploram profissionais de cidades vizinhas, sonegação de impostos por parte da elite empresarial, e a criação de sindicatos que impedem o crescimento de pequenos empreendedores – tudo isso compõe um quadro desolador para quem realmente deseja ver Birigui prosperar. As promessas de saúde, educação e cultura são frequentemente sobrepostas pela falta de investimento e pela negação de acesso à informação, especialmente para os mais vulneráveis.
É irônico pensar que essa cidade, um dia acolhedora para migrantes rurais, estudantes e trabalhadores de usinas, agora abre suas portas para mãos de obra estrangeira, como chineses e venezuelanos, enquanto os biriguienses continuam a buscar oportunidades fora de casa. A justificativa da falta de mão de obra qualificada é apenas uma máscara para esconder a real questão: a incapacidade de transformar conhecimento acadêmico em oportunidades concretas.
Birigui foi sim uma cidade acolhedora, mas este acolhimento se estancou no tempo. A ambição que a fez brilhar como a capital do calçado infantil se transformou em ganância, levando a um acúmulo de riquezas que, ao invés de gerar desenvolvimento, provocou um verdadeiro coronelismo econômico. Com a pandemia, muitos partiram e a política tornou-se ainda mais frágil, deixando a cidade sem uma liderança capaz de enfrentar os desafios que se avizinham.
Eu amo Birigui, mas é impossível não sentir vergonha do que ela se tornou. A indignação é grande diante de uma política suja instalada que parece ter se enraizado no cotidiano. É hora de um despertar coletivo; é preciso que a população exija mudanças efetivas, que reequilibrem o potencial desta cidade com o respeito e a dignidade que cada biriguiense merece. Se não agirmos agora, as pérolas que tornam Birigui especial podem se dissipar, deixando apenas um rastro de desilusão e desperdício em seu caminho.
Cássia Lacerda