Araçatuba (SP) celebra nesta terça-feira (2) seus 117 anos de história. E, entre tantas marcas culturais que ajudam a contar a trajetória do município — como sotaques, tradições, modos de viver e sabores — um prato típico conquistou espaço especial no imaginário da população: o cupim casqueirado, considerado patrimônio histórico imaterial da cidade.
Com 208.415 habitantes, segundo o IBGE, Araçatuba viu nascer, nos quintais e bares locais, uma receita que ganhou fama regional e nacional. Cortado em finas lascas, crocante por fora e extremamente macio por dentro, o cupim casqueirado é mais que um prato: é memória afetiva, identidade cultural e símbolo de pertencimento.
Registrado oficialmente desde 2010, o prato tem um papel tão importante na cultura local que só pode ser servido por restaurantes e bares que possuem selo de reconhecimento emitido pelo Conselho Municipal de Turismo — garantia de que o estabelecimento segue o padrão oficial de preparo. Se as regras não forem cumpridas, o selo pode ser cassado, impedindo o uso do nome em divulgações.
E não é para menos: em períodos de alta temporada, os estabelecimentos chegam a vender até seis toneladas de cupim por mês.
A história por trás do sabor
Todo prato famoso tem seu criador — e, no caso do cupim casqueirado, o nome é Sérgio Montoro, de 68 anos. Funcionário público atualmente, ele relembra que tudo começou em 1989, quando comprou um pequeno bar perto de duas faculdades. Para atender os estudantes, Sérgio queria oferecer um prato completo, saboroso e acessível.
Ele então apostou em uma carne pouco valorizada na época: o cupim. Considerado “carne de segunda” e frequentemente destinado aos cães, o corte era barato e abundante na região, marcada pela presença de raças bovinas nelore e zebu.
“Naquela época, o cupim era uma carne ‘ruim’. Então tive a ideia de prepará-lo casqueirado”, conta Sérgio.
A descoberta veio quase por acaso. Ao deixar o cupim mais tempo exposto à brasa, ele percebeu que se formava uma casca crocante e caramelizada, enquanto o interior permanecia macio e suculento. O resultado se tornou um sucesso imediato entre os frequentadores — e, depois, entre visitantes de toda a região.
No bar, o preparo virou ritual: peça inteira na churrasqueira, virada lentamente por horas, até chegar ao ponto perfeito. E, como manda o churrasco à moda antiga, as guarnições não poderiam ser diferentes: mandioca e vinagrete.
Apesar da fama, Sérgio mantém a simplicidade.
“Não trato como algo para elevar minha autoestima. Vim de uma família humilde. As pessoas falavam para eu patentear a receita, mas minha patente está nos elogios de quem come com felicidade”, diz.
A técnica que só Araçatuba tem
Quem prepara o cupim casqueirado sabe: o segredo está no tempo, na paciência e no jeito único da cidade. O empresário Fabrício Ribeiro, de 43 anos, responsável por um restaurante onde o prato é carro-chefe, confirma que o diferencial está no método.
Clientes de diversas cidades viajam até Araçatuba exclusivamente para experimentar o prato. “Vim aqui só pelo cupim casqueirado” é uma frase comum no restaurante.
“Já provei versões em outras regiões, mas nenhuma chega perto. Aqui usamos um processo mais demorado, que mantém a carne extremamente macia por dentro e forma a ‘casquinha’ crocante que é a marca registrada”, explica Fabrício.
Para ele, o sabor desperta lembranças: cheiro de domingo, mesa cheia, risadas e encontros em família. E é exatamente isso que transforma a receita em patrimônio — não só pela técnica, mas pelo afeto que carrega.
Fonte: G1