José Mujica, ex-presidente do Uruguai e uma das figuras mais emblemáticas da política latino-americana, morreu nesta terça-feira (13/5), aos 89 anos. A notícia foi confirmada pelo atual presidente do país, Yamandú Orsi, em publicação na rede X (antigo Twitter).
Ex-guerrilheiro, líder da esquerda e símbolo de simplicidade, Mujica governou o Uruguai entre 2010 e 2015 e ficou conhecido mundialmente como “o presidente mais pobre do mundo” por seu estilo de vida modesto: abriu mão da residência oficial, morava em um sítio nos arredores de Montevidéu com a esposa Lucía Topolansky, dirigia um Fusca 1987 e doava grande parte do salário. Rejeitava o rótulo de pobre: “Pobres são os que querem sempre mais”, dizia.
Uma trajetória marcada por luta e resistência
Nascido em 1935, Mujica teve uma juventude marcada pela militância política. Começou no tradicional Partido Nacional, mas foi na década de 1960 que mergulhou na luta armada, como um dos fundadores do grupo guerrilheiro Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros. Influenciado pelo marxismo e pela revolução cubana, participou de ações radicais e foi preso quatro vezes.
Durante o regime militar uruguaio, passou quase 14 anos encarcerado, muitos deles em condições sub-humanas, incluindo longos períodos de isolamento e tortura. Fez parte do grupo dos “nove reféns” tupamaros, que seriam executados caso a guerrilha voltasse a agir. Sobreviveu e foi libertado em 1985, após a redemocratização, graças a uma anistia.
“Esses anos de solidão foram provavelmente os que mais me ensinaram”, disse à BBC, relembrando o tempo em que chegou a conversar com formigas para manter a sanidade.
Do cárcere à presidência
Após sair da prisão, Mujica iniciou uma nova fase: a da política institucional. Foi deputado, senador e, em 2005, ministro da Agricultura no governo da Frente Ampla, coalizão de esquerda. Seu carisma e linguagem simples o tornaram extremamente popular, e em 2009 venceu as eleições presidenciais com quase 53% dos votos.
Durante seu mandato, a economia uruguaia cresceu a uma média de 5,4% ao ano, a pobreza caiu e o desemprego permaneceu sob controle. Ainda assim, seu governo foi alvo de críticas por aumentar os gastos públicos e não conseguir avanços significativos na educação, área que ele prometera priorizar.
Entre suas reformas mais ousadas, está a legalização da maconha — o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a regulamentar a produção e venda da droga.
Ícone global
Mesmo governando um país de apenas 3,3 milhões de habitantes, Mujica se tornou uma figura respeitada internacionalmente. Seus discursos diretos, recheados de reflexões sobre felicidade, consumismo e morte, ressoavam como conselhos de vida. “A cada manhã, pense por dez minutos se o que você está fazendo está certo ou errado”, aconselhou a jovens brasileiros em uma palestra na UERJ.
Apesar do prestígio internacional, dentro do Uruguai seu legado é debatido. Após deixar a presidência, foi eleito senador, mas passou a se dedicar mais a viagens e palestras pelo mundo. Sempre manteve sua postura crítica e irreverente, como ao chamar dirigentes da FIFA de “um bando de velhos filhos da puta” durante a Copa de 2014, ou ao se referir à presidente argentina Cristina Kirchner como “essa velha é pior que o vesgo” — comentário feito sem perceber que havia um microfone ligado.
Despedida sem medo
Ao longo da vida, Mujica nunca escondeu sua visão pragmática sobre a morte. Encarava-a com serenidade. “Ninguém gosta da morte, mas uma hora ela chega. Não vivam com medo dela. O mundo vai continuar girando”, disse no livro Uma ovelha negra no poder.
Ele deixa como legado um exemplo raro de coerência entre discurso e prática política. E uma trajetória que percorreu a distância entre a guerrilha armada, a prisão solitária, o mais alto cargo do país — e o respeito de milhões ao redor do mundo.